Os transtornos alimentares (TAs) são frequentemente associados a condições amplamente conhecidas, como a anorexia nervosa e a bulimia nervosa. Contudo, o espectro desses transtornos é muito mais amplo, englobando uma variedade de padrões alimentares que exigem uma compreensão detalhada e uma intervenção terapêutica adequada. Esses transtornos podem afetar a saúde física e emocional dos indivíduos de maneira profunda e, muitas vezes, silenciosa. Neste artigo, exploramos alguns dos transtornos alimentares menos conhecidos, porém igualmente significativos, como o Transtorno de Compulsão Alimentar, o Transtorno Alimentar Restritivo Evitativo (TARE) e a Pica, além de outros transtornos alimentares amplamente reconhecidos na literatura científica.
Condições reconhecidas pelo DSM-5
Esses transtornos alimentares são formalmente reconhecidos no Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-5).
1. Transtorno de Compulsão Alimentar
Caracterizado por episódios recorrentes de ingestão exagerada de alimentos, onde o indivíduo tem uma sensação de perda de controle durante a alimentação. Ao contrário de outros transtornos alimentares, como a bulimia nervosa, não envolve comportamentos compensatórios, como purgação (vômitos autoinduzidos), jejuns prolongados ou exercícios extenuantes para eliminar as calorias ingeridas.
O que diferencia a Compulsão Alimentar de outras condições é justamente a ausência de tentativas de compensação, o que faz com que o indivíduo experimente um ciclo de ingestão alimentar excessiva seguido de sentimentos de culpa e vergonha. Esses episódios de compulsão alimentar frequentemente resultam em ganho de peso, o que pode levar a um aumento significativo do risco de obesidade.
Além disso, a Compulsão Alimentar está frequentemente associada a comorbidades psiquiátricas, como depressão, ansiedade e transtornos do humor. O impacto psicológico desse transtorno pode ser significativo, afetando a autoestima, a imagem corporal e a qualidade de vida do paciente.
2. Transtorno Alimentar Restritivo Evitativo (TARE)
Caracterizado pela ingestão alimentar excessivamente restrita ou pela evitação de uma grande variedade de alimentos. Isso pode levar a deficiências nutricionais severas e a um impacto significativo no funcionamento psicossocial do paciente.
O TARE não envolve uma preocupação excessiva com o peso corporal ou a imagem, ao contrário da anorexia nervosa. Em vez disso, a motivação para a restrição alimentar pode ser baseada em aversões alimentares específicas, dificuldades sensoriais (como aversão a certas texturas, cheiros ou sabores) ou, em alguns casos, um medo intenso de engasgos ou reações adversas à comida.
Embora o TARE seja mais comum em crianças, especialmente aquelas com atrasos no desenvolvimento, também pode ser observado em adultos, e tem frequência considerável em indivíduos com Transtorno do Espectro Autista (TEA). Nesse contexto, o TARE pode ser exacerbado por comportamentos repetitivos e uma resistência generalizada a novos alimentos ou mudanças na rotina alimentar.
Quando não tratado, o TARE pode levar a deficiências nutricionais graves, comprometendo o crescimento e o desenvolvimento físico, além de afetar a saúde mental do paciente, muitas vezes resultando em isolamento social e dificuldades nas interações familiares.
3. Pica: ingestão de substâncias não alimentares
Envolve a ingestão persistente de substâncias não nutritivas e não alimentares, como terra, giz, cabelo, pedras, sujeira ou até produtos de limpeza. Embora esse comportamento seja considerado incomum, ele pode ser observado em diversas populações, com maior prevalência em indivíduos com deficiência intelectual, Transtorno do Espectro Autista (TEA) e outros transtornos do neurodesenvolvimento.
A ingestão dessas substâncias pode representar um risco significativo para a saúde física, devido ao potencial de obstrução intestinal, intoxicação ou danos aos órgãos internos. Além disso, a Pica está frequentemente associada a comorbidades psicológicas, como ansiedade, estresse e distúrbios obsessivo-compulsivos. O comportamento pode ser um indicativo de um quadro psicossocial mais complexo, que exige uma intervenção terapêutica focada nas causas subjacentes do transtorno.
4. Transtorno de Ruminação: regurgitação repetida de alimentos
Caracterizado pela regurgitação repetida de alimentos, que podem ser remastigados, engolidos novamente ou expelidos. Ao contrário do refluxo gastroesofágico, que é causado por uma condição médica, a ruminação é um comportamento repetitivo e involuntário.
Esse transtorno pode resultar em desnutrição, perda de peso, e danos ao sistema gastrointestinal significativos, especialmente se a regurgitação ocorrer com frequência. É mais comum em crianças pequenas e em indivíduos com deficiência intelectual.
5. Síndrome do Comer Noturno
Caracterizado por um consumo excessivo de alimentos durante a noite, após o jantar e/ou em despertares noturnos. A síndrome está associada a: insônia frequente, falta de apetite pela manhã, necessidade urgente de comer para voltar a dormir e humor deprimido à noite.
A dessincronização do ciclo sono-vigília intensifica a fome noturna, frequentemente causada e/ou agravada por estresse e ansiedade, e contribui para a manutenção dos episódios alimentares compulsivos noturnos.
A síndrome pode contribuir para o ganho de peso excessivo e está frequentemente associada a transtornos psiquiátricos, como depressão e ansiedade. Embora a SCN esteja oficialmente no DSM-5, os critérios diagnósticos ainda geram divergências entre profissionais sobre frequência, percentual energético à noite e sintomas associados.
6. Transtorno de Purgação
Envolve comportamentos como vômitos autoinduzidos, uso inadequado de laxantes ou diuréticos com o objetivo de controlar o peso ou a forma corporal. Ao contrário da bulimia nervosa, o transtorno de purgação não está associado a episódios de compulsão alimentar. Em vez disso, o foco está em controlar o peso corporal por meio de métodos de purgação. Esse comportamento pode ter sérias consequências físicas, como desequilíbrios eletrolíticos, desidratação e danos ao sistema gastrointestinal.
Condições não reconhecidas pelo DSM-5
Embora essas condições não sejam formalmente reconhecidas no DSM-5, elas são amplamente discutidas na literatura científica e têm um impacto significativo na vida dos pacientes. Como tal, é crucial que os profissionais de saúde estejam atentos a essas condições.
7. Ortorexia: a obsessão com a alimentação “Saudável”
A Ortorexia é caracterizada pela obsessão por consumir apenas alimentos considerados “saudáveis” ou “puros”. Indivíduos com ortorexia muitas vezes seguem dietas extremamente restritivas, baseadas em regras extremamente arbitrárias e rígidas sobre o que é ou não permitido comer, frequentemente evitando alimentos que consideram “impuros” ou “processados”.
Esse comportamento pode levar a deficiências nutricionais graves, além de afetar a saúde mental do paciente, já que ele pode se sentir constantemente ansioso e culpado ao violar essas regras alimentares.
Embora a Ortorexia não esteja formalmente reconhecida no DSM-5, ela é um tema crescente de discussão entre profissionais de saúde e pesquisadores. O tratamento geralmente envolve a educação nutricional e intervenções para ajudar o paciente a desenvolver uma relação mais equilibrada e menos rígida com a alimentação.
8. Vigorexia: imagem corporal muscular
Também conhecida como dismorfia muscular, é um transtorno de distorção da imagem corporal, onde o indivíduo, apesar de ter um corpo musculoso, se vê como magro ou com pouco músculo.
A obsessão por alcançar o corpo ideal leva a comportamentos compulsivos, como a prática exacerbada de exercícios físicos e dietas muito restritivas, e, às vezes, o uso indiscriminado de anabolizantes e esteróides, condutas que podem trazer sérios riscos à saúde.
Embora a vigorexia não seja formalmente reconhecida no DSM-5, ela compartilha características com distúrbios da imagem corporal, como a anorexia nervosa, mas com foco no aumento muscular em vez da magreza.
9. Drunkorexia: restrição alimentar associada ao consumo de álcool
A drunkorexia é um transtorno que envolve a restrição alimentar para compensar as calorias consumidas por meio de bebidas alcoólicas. Indivíduos com drunkorexia frequentemente evitam comer alimentos durante o dia para poder consumir grandes quantidades de álcool à noite, o que pode resultar em um ciclo de comportamentos alimentares disfuncionais e consumo excessivo de álcool.
Embora a drunkorexia não seja formalmente reconhecida no DSM-5, ela é um comportamento preocupante, presente especialmente em populações jovens, como estudantes universitários, e está associada a um risco elevado de problemas de saúde mental e física.
A importância de um diagnóstico preciso e abordagem multidisciplinar
A compreensão e o manejo dos transtornos alimentares exigem um diagnóstico preciso e uma abordagem terapêutica abrangente que considere os aspectos biológicos, emocionais e sociais do paciente. Embora muitos desses transtornos, como a Compulsão Alimentar, TARE, Pica, Transtorno de Ruminação, Síndrome do Comer Noturno e Transtorno de Purgação, sejam reconhecidos pelo DSM-5, outras condições como Ortorexia, Vigorexia e Drunkorexia, apesar de não estarem formalmente no DSM-5, mas tem nuances e funcionamentos próprios e devem ser tratadas com atenção e sensibilidade.
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Referências
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